Para Marques, PDV anunciado pelo governo é um ajuste desesperado para manter apoio político

O passado condena os PDVs

 

Por Paulo de Tarso Lyra e Rosana Hessel

 

A baixa adesão em experiências anteriores, o risco de que uma judicialização em busca de retomada de direitos e o apadrinhamento de políticos com projetos para reintegração aos cargos anteriores mostram que, na maior parte dos casos, os planos de demissão voluntária (PDVs) implementados pelo governo federal dão em praticamente nada. A medida provisória do governo Temer prevê uma adesão de 5 mil — haverá um programa por ano até 2023. Mas ele terá de ser encaminhado ao Congresso, onde tramitam ao menos cinco projetos de lei propondo a reincorporação dos quase 15 mil servidores que deixaram a máquina pública ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso.

 

Para deixar ainda mais claro que a tramitação da proposta não deve ser fácil, algumas dessas iniciativas foram apresentadas por parlamentares que integram a base de apoio do atual governo. Só o líder do PRB na Câmara, Cleber Verde (MA), tem duas iniciativas: uma apensada a outra proposta, de autoria do atual ministro do Esporte, Leonardo Picciani (RJ), e outra à espera de análise pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público. “Quem não aprende com os erros do passado corre o risco de errar duas vezes e vai repetir o equívoco no futuro”, alertou Verde.

 

O líder do PRB adianta que a matéria será alvo de um intenso debate na Câmara e que o governo está enganado se pensa em uma aprovação tranquila. “A experiência dos PDVs feitos antes dos anos 2000 mostra os equívocos e os traumas que eles provocaram. Vários servidores foram alvo de assédio moral para aderir aos programas e, no fim, ficaram frustrados porque não conseguiram ter êxito em seus empreendimentos. Muitos até cometeram suicídio”, afirmou o deputado maranhense.

 

Na opinião de Luiz Alberto dos Santos, ex-subchefe da Casa Civil (governos Lula e Dilma), consultor legislativo do Senado e professor da Ebape/FGV, os PDVs deveriam prever cláusula de “arrependimento eficaz”, com previsão de retorno ao cargo anterior em um prazo predeterminado, mediante ressarcimento do valor recebido, ou em caso de descumprimento das condições oferecidas pelo governo ou empresas. “Como isso nunca é feito, fica aquela coisa de que quem saiu se sentiu enganado ou entrou numa fria e quer voltar”, disse Luiz Alberto.

 

Fatores

 

Especialistas veem com ceticismo uma grande adesão ao PDV que o governo está tentando realizar neste momento. “Estamos em um momento de recessão e de desemprego elevado. A taxa de sucesso ao programa deverá ser baixa”, aposta o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores. A mesma opinião é compartilhada pelo advogado Fernando Zilveti, professor de finanças públicas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP). Zilveti lembra uma curiosidade interessante em relação ao hoje presidente Michel Temer. “Quando Fernando Henrique tentou fazer uma reforma administrativa e reduzir o tamanho do Estado, o então presidente da Câmara, Michel Temer, bombardeou a reforma, alegando que ela impedia novos concursos e limitava o reajuste dos servidores”, lembrou o advogado.

 

Licença de até seis anos

 

O PDV proposto pelo governo para os servidores públicos civis do Executivo corre o risco de gerar mais custos do que a economia de R$ 1 bilhão por ano estimada pelo Ministério do Planejamento. A pasta propõe que a iniciativa seja publicada por medida provisória, que também deverá prever a jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional e a Licença Incentivada sem Remuneração (LIP) de até três anos, prorrogáveis por igual período. Especialistas avisam que essa MP tem um risco elevado de judicialização das demissões, mesmo que voluntárias.

 

“Muitos servidores podem aderir ao PDV, receber uma bolada e depois entrar na Justiça para serem reintegrados, como já aconteceu no passado”, alertou o economista Braulio Borges, da LCA Consultores. “É provável que o custo para reintegrar quem entrar na Justiça será bem maior do que a economia que o governo está prevendo com o PDV, mais do que o dobro, como a história recente provou”, avaliou o advogado Fernando Zilveti, professor de finanças públicas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

 

Os dois especialistas citaram como exemplo as reversões de demissões feitas durante os governos de Fernando Collor de Mello e de Fernando Henrique Cardoso. “Milhares de servidores foram reintegrados e ganharam os direitos que haviam perdido. No fim das contas, não houve economia alguma. Pelo visto, o presidente Michel Temer não está ouvindo o conselho de Roberto Campos de ‘que é preciso aprender com os erros do passado’”, comentou Zilveti.

 

O consenso entre os analistas é que o governo não está atacando o problema com esse PDV de resultado pífio comparado ao rombo das contas públicas. Para Borges, da LCA, o privilégio adquirido é que precisa acabar e nem sequer foi mexido na reforma da Previdência, pois o deficit do funcionalismo é muito maior do que o do setor privado se comparado pelo número de beneficiários. “Se governo investir em uma agenda para cobrar uma contribuição previdenciária maior de servidores já aposentados, seria mais justo, além de corrigir uma injustiça. O PDV só faz cócegas. É preciso gastar energia com algo que realmente impacte nos custos públicos”, pontuou. “Esse R$ 1 bilhão não cobre o aumento real de um mês do reajuste dos servidores, de R$ 8 bilhões até maio”, comparou o economista Fernando Montero, economista-chefe da Tullet Prebon Brasil. (RH)

 

Proposta vista com ceticismo

 

A estratégia do governo de conceber um Plano de Demissão Voluntária (PDV) no Executivo federal, para economizar R$ 1 bilhão em 2018, recebeu imediatamente o repúdio de servidores. Foi tolerado pelos analistas de mercado, sem calorosos aplausos. Para ambas as partes, usualmente em campos opostos, o plano terá pouco efeito prático. Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), definiu a medida como “irresponsável e midiática”.

 

“O governo quer fazer um ajuste desesperado nas contas para manter o apoio político. Nem sequer apresentou mapeamento do loteamento ideal no serviço público. Como saberá quantos vão sair se não sabe quantos deverão ficar?”, questionou. O Planalto está meramente “enxugando gelo”, disse. Parte significativa do que foi anunciado está prevista em lei, a exemplo da redução da jornada para seis horas, com salário proporcional — 75% da remuneração. “Não tem novidade”, ironizou Marques.

 

O Executivo teria melhor resultado se o Ministério do Planejamento fizesse o dever de casa, que é regular o desempenho do servidor. “A CGU já concluiu várias demissões com base na insuficiência”, lembrou. De acordo com o Planejamento, a intenção é “aumentar a eficiência no serviço público”. O Executivo, em dezembro passado, tinha 632.485 servidores. A despesa com eles no acumulado de janeiro a dezembro de 2016 ficou em R$ 96,4 bilhões.

 

De acordo com Gil Castello Branco, especialista em contas públicas, “ficou claro que o governo quis mostrar que está cortando na carne e fez algo precipitado, sem avaliar os próprios riscos”. Em uma conta rápida, ele avaliou que, com a economia de R$ 1 bilhão em 2018, com corte de 5 mil pessoas, então, se refere a quem ganha R$ 200 mil por ano, o equivalente a salário mensal entre R$ 15 mil e R$ 16 mil. Estão nessa faixa remuneratória as carreiras de Estado. “Exatamente onde se encontra mais eficiência. Por isso, o plano não tem muita possibilidade de prosperar”, avalia Gil.

 

O plano do governo, por sua vez, deu um norte ao mercado. “Tem um simbolismo. É importante a equipe econômica reconhecer que precisa mexer nas despesas obrigatórias. O valor não faz muita diferença. O fundamental é a direção”, assinalou Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.

 

Expectativa positiva do governo

 

A medida provisória sobre o Programa de Demissão Voluntária (PDV) ainda é preparada pelo governo. De acordo com o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, todo PDV gera uma despesa em um primeiro momento, mas que se paga nos anos subsequentes. “A ideia é de que, como neste ano nós não temos espaço orçamentário, isso será incluído dentro da proposta orçamentária para o ano que vem”, explicou o ministro.

 

Questionado se, em vez de sugerir o PDV, não seria melhor segurar os reajustes concedidos ao funcionalismo, e que representam um impacto, este ano, de R$ 20 bilhões nas contas públicas, Dyogo afirmou que não há como estabelecer comparação entre as propostas. “A medida por si só é positiva. Para as pessoas, porque é uma opção; para o governo, porque vai ter uma redução de despesas; e para a sociedade, porque gera uma redução do custo do Estado”, defendeu.

 

A adesão ao PDV de funcionários públicos do Poder Executivo ocorrerá ainda este ano e a efetivação, a partir de janeiro do ano de 2018. Para o ministro, o projeto, que ainda está em discussão, será positivo para a redução dos gastos públicos. Segundo o governo, a referência que está sendo levada em conta é o PDV realizado na década de 1990 (no governo do presidente FHC).

 

Conforme anúncio feito na segunda-feira pelo Ministério do Planejamento, quem aderir ao PDV receberá indenização correspondente a 125% da remuneração do servidor na data de desligamento multiplicada pelo número de anos de efetivo exercício. A expectativa é que a medida gere economia de cerca de R$ 1 bilhão ao ano.

 

A proposta, que deverá ser apresentada por meio de medida provisória, permite ainda que os servidores efetivos requeiram a redução da jornada de trabalho de oito horas diárias e 40 semanais para seis ou quatro horas diárias e 30 ou 20 horas semanais, respectivamente, com ganho proporcional, calculado sobre o total da remuneração. Será assegurado ainda a quem optar pela redução de jornada o pagamento adicional de meia hora diária, calculada conforme regulamentação editada pela pasta. (Com informações da Agência Brasil