Elite do servidor tem reajuste igual a mínimo

A ameaça do governo de cortar o ponto dos faltosos foi suficiente para encerrar a greve dos advogados da União e enfraquecer a dos auditores fiscais, mas nem de longe pôs fim a uma longa, discreta e onerosa disputa pelo topo salarial do Poder Executivo.
Os competidores são os 5% mais bem remunerados entre os servidores civis da ativa na administração direta, nas autarquias e nas fundações federais. Receberam, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, reajustes só comparáveis, na iniciativa privada, aos aplicados no salário mínimo. Em questão de um ano ou dois, os vencimentos máximos de suas carreiras chegarão à casa dos R$ 20 mil -e uma nova rodada de reajustes será negociada.
Essa elite pode ser dividida em apenas três grupos: 1) os delegados e peritos da Polícia Federal, hoje confortavelmente instalados no alto do ranking dos salários pagos pelo governo; 2) os advogados da União, procuradores e defensores públicos, que invejam os contracheques ainda mais generosos do Judiciário e do Ministério Público; e 3) os auditores da Receita Federal e do Trabalho, com o trunfo nada desprezível de serem responsáveis pelos recordes de arrecadação que garantem a ampliação generalizada dos gastos com pessoal.
Os pleitos das supercorporações passam longe do figurino tradicional do sindicalismo menos prestigiado, aquele que combina a compensação de perdas anteriores com a inflação mais alguma expectativa de ganho real compatível com a expansão da economia. O embate é por prestígio, pela afirmação da importância das categorias para a máquina administrativa -e reajustes inimagináveis para o resto dos trabalhadores podem ser rejeitados com indignação.
Uma proposta de aumento salarial de 14,7% neste ano e de 31,7% até 2010 foi chamada de “absurdo” pelo site da Unafe, a entidade dos advogados públicos. “Por óbvio ela não atendeu minimamente à expectativa da categoria. Os representantes do Fórum rechaçaram de imediato a proposta.” O reajuste oferecido, muito superior à inflação esperada no período, elevaria o salário final dos advogados a R$ 19,7 mil, o que os delegados da PF já receberão a partir do próximo ano.
“Diversos delegados sindicais consideraram um desrespeito o governo apresentar uma proposta que coloca os auditores em um patamar abaixo do de outras carreiras típicas do Estado”, relata o boletim de 1º deste mês do Unafisco, o influente sindicato dos auditores da Receita, referindo-se também à perspectiva de igualar os salários dos delegados somente em 2010.

Pacote reeleitoral
As corporações esperam, para o próximo ano eleitoral, uma rodada de reajustes gerais para o funcionalismo, a exemplo do que ocorreu em 2006. No pacote reeleitoral de Lula, uma série de medidas provisórias elevou os salários de praticamente todas as carreiras do Executivo, produzindo o maior aumento dos gastos com pessoal desde o Plano Real -e reacendendo a disputa no topo da pirâmide salarial.
Pela programação original do governo, os reajustes seriam concedidos de forma escalonada até 2009, quando os advogados e procuradores tomariam dos delegados e peritos o posto de servidores mais bem pagos do Executivo, com salários mensais de R$ 17 mil.
Os policiais federais, porém, pressionaram o governo e conseguiram, no ano passado, uma nova tabela de aumentos escalonados.
A vitória da PF mobilizou os advogados e os auditores, que também reivindicaram novas condições salariais com a área econômica do governo.
No entanto, a inesperada derrubada da CPMF pelo Congresso levou o Executivo a rever as negociações, o que resultou nas greves iniciadas pelas duas corporações.

Escalada de gastos com pessoal é impulsionada pelo Executivo


Embora os Poderes Legislativo e Judiciário ainda respondam pelos maiores salários do serviço público, o Executivo é o principal responsável pela escalada dos gastos com pessoal iniciada no final do primeiro mandato de Lula.
Na Câmara, no Senado e no Tribunal de Contas da União, o gasto médio por funcionário em atividade chega a R$ 11 mil; nos tribunais, são R$ 12,6 mil. Na comparação, os servidores dos ministérios, das autarquias e fundações parecem primos pobres, com média de R$ 5.406.
Pertencem ao Executivo, no entanto, 93% dos ativos, inativos e pensionistas cujos salários e benefícios são contabilizados nas despesas com pessoal da União. Não por acaso, os reajustes mais generosos sempre são autorizados nos outros Poderes, enquanto as categorias mais numerosas, como os professores e funcionários técnicos das universidades, têm seus pleitos avaliados com rigor muito maior.
Lula herdou do tucano Fernando Henrique Cardoso um quadro de 1,8 milhão de servidores, resultado de um processo lento de enxugamento da máquina iniciado no início da década de 90 -como o funcionalismo tem estabilidade no emprego, o número só cai quando a quantidade dos que ingressam por concurso é inferior à dos que morrem ou deixam o serviço público.
A administração petista, que tem nos sindicatos de servidores uma de suas principais bases políticas, reverteu a trajetória de redução do quadro, hoje de 2,1 milhões de ativos, inativos e pensionistas. Mas foi a rodada geral de reajustes e novos planos de carreira, no ano eleitoral de 2006, que fez os gastos com pessoal passarem a crescer acima da economia do país. Até 2005, quando a prioridade da área econômica era tranqüilizar os mercados e aprofundar o ajuste fiscal, os aumentos foram concedidos a conta-gotas, com índices modestos.

Auditor em greve diz que mesmo com aumento vai se sentir injustiçado
Nelson Pessuto, 61 anos, auditor fiscal da Receita Federal, ganha R$ 18 mil por mês. O salário inclui o teto da categoria, de R$ 13,4 mil mensais, mais os benefícios adquiridos em 24 anos de carreira. Na manhã de quarta, Pessuto estava na porta do Ministério da Fazenda, edifício onde trabalha.
Se o pedido do Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) for aceito pelo governo, Pessuto passará a ganhar R$ 19 mil por mês, aumento que pode ser concedido até 2010, caso o acordo com o Ministério do Planejamento seja fechado.
Os auditores reivindicam equiparação com o maior salário do Poder Executivo, que é o dos delegados da PF.
Mesmo que o acordo com o governo seja fechado, Pessuto ainda se sentirá injustiçado. Ele explica que, pela negociação, o novo salário de R$ 19 mil vai derrubar todos os benefícios adquiridos em 24 anos, que não mais se somarão ao soldo. “O novo subsídio elimina os ganhos extras, as vantagens adquiridas de funções incorporadas.”
Pessuto recebe por mês um salário maior que o do presidente da República, de R$ 11.420,21. E maior que o do ministro da Fazenda, de R$ 10.748,43. Os auditores fiscais são 12 mil atualmente. O piso da categoria é de R$ 10 mil, e o teto, de R$ 13,4 mil. A proposta do sindicato é elevar o piso para R$ 14 mil, e o teto, para R$ 19 mil.